sábado, 26 de março de 2011

Duas orelhas e uma boca

Dois mil e quinhentos metros em 12 minutos! Esse é o percurso que eu estou fazendo em um teste de Cooper que inventei baseado no edital da Acadepol de Minas Gerais, e até que está dando resultado, com uma dieta sem extremismos estou emagrecendo, até parei de andar muito de carro e agora estou fazendo minhas atividades a pé, protocolar petições, buscar a namorada, tudo sem usar o veículo automotor.

Numa dessas caminhadas vou a uma instituição de apoio a dependentes químicos e alcoólatras em que me ofereci para atuar como advogado voluntário. É um começo devagar onde ainda estou aguardando alguns chamados para atuar de alguma forma.

Nesse dia da caminhada encontrei três garotos que estão em recuperação e que ficam no atendimento na entrada da instituição, são três adolescentes aparentemente com idade entre 14 e 16 anos. Depois que cheguei, vi que os três garotos estavam quietos e desconfiados com a minha presença do lado de fora da instituição, onde o que separa a saída da entrada é um portão de garagem e estava eu do lado de fora com traje social e gravata e aqueles garotos sem jeito olhando para mim. É comum esses garotos terem certa reprimenda ou repulsa à pessoas engravatadas, alguns desses garotos já conheceram o judiciário e sabem muito bem como é a forma de alguns membros públicos do judiciário falarem com menores infratores.

Desde minha infância fui muito perceptivo, curioso, como a maioria das crianças sabia tudo que estava acontecendo em minha volta, àquelas conversas sobre família que as crianças não poderiam ouvir, sabia de tudo e também me perguntava por que muitos adultos não davam atenção às crianças, eu falava com algumas pessoas sobre um inseto que vi ou a bola que ganhei e alguns falavam legal! É isso aí!

Com esses garotos eu não iria fazer isso, não iria esperar eles falarem, porque não falariam, já não tiveram atenção dos adultos e muito menos do judiciário que é um órgão muito mais emissor do que ouvinte, nisso eu percebi que um deles estava com o cabelo arrepiado, era vaidoso, e falei para os outros dois garotos: esse aí gosta do Restart! E aquela desconfiança já se fora, o sorriso voltou nas faces desses jovens e foi a entrada para conversarmos sobre música, principalmente sobre rock´n roll e heavy metal, ACDC, Iron Maiden, Ozzy e até Restart, apenas dois conversavam comigo o outro ficava quieto de cabeça baixa, tentei conversar com este garoto, mas ele não me respondeu, era um garoto moreno do sol, com poucos cabelos, chinelo de dedo, o garoto parecia um réu num júri popular, não falava com ninguém só ficava de cabeça baixa, pois bem, despedi deles e fui embora.

Atuando como na infância, fui perguntar daquele garoto e fiquei sabendo que ele fugira de algumas instituições de recuperação e que era portador do vírus HIV desde o nascimento.

No outro dia fui de carro à instituição e encontrei os mesmos garotos e chamei-os para mostrar um Rock´n Roll no carro,uma música que era do guitarrista Steve Vai, dois vieram, somente o garoto de cabeça baixa no dia passado que não foi, depois de mostrar o som, fui tentar conversar com o garoto mas novamente ele não me respondeu, mas perceptivo, vi que ele estava com a camisa do Atlético Mineiro e fiz a pergunta mais besta de todas: você torce pro Galo? Para meu espanto ele respondeu que sim, e fiz outra pergunta besta: e você gosta do Cruzeiro? E para novamente meu espanto ele disse que sim, falei: não acredito! Um torcedor do Atlético que também gosta do Cruzeiro? Nunca vi isso! Ele olhou para mim levantando a cabeça e deu um sorriso, fraco, mas foi um sorriso. Nesse mesmo dia fiquei com aquilo na cabeça, queria comprar alguma coisa do Atlético para dar para ele, queria saber o que ele tinha a dizer e quem sabe com o futebol eu conseguiria tirar algo daquele garoto, porque pelo jeito, ele ouviu muito e falou pouco a vida inteira.

Chegando de tarde na instituição só encontrei os dois garotos que conversei sobre Rock, não encontrei o garoto atleticano, resolvi não perguntar para onde ele foi, fiquei quieto.

Neste dia eu percebi que tenho muito em comum com esses garotos e conversei sobre assuntos que gosto e que eles também gostam, de Rock e de Futebol e lembrei-me de um documentário feito sobre dois garotos americanos que entraram na escola armados e mataram 13 pessoas e depois se mataram no Instituto Escolar Columbine, esses dois garotos americanos escutavam Marilyn Manson, um Rockstar. Questionado por um repórter sobre o que ele falaria para os garotos de Columbine, Marilyn Manson disse: “Eu não falaria nada, eu ouviria o que eles tinham a dizer!”

Um abraço a todos e fiquem com Deus

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns pelos seus textos. São muito bem escritos e com um conteúdo bem interessante.

Continue sempre atualizando o blog.