Cada vez que sou intimado ou nomeado para atuar para a Justiça Federal verifico todo o processo e algumas vezes até com 4 ou cinco volumes, isso que cada volume tem aparentemente 200 páginas, se me perguntam se é cansativo, respondo que é divertido, se me perguntam como gosto de fazer isso, digo que amo o que faço. Em alguns desses processos em que fui nomeado verifiquei que era a Procuradora da República que fizera o pedido de liberdade aos dois jovens, sempre com um linguajar simples , mas sem perder a tecnicidade comecei a admirar suas peças e seu bom senso perante o processo penal, com peças de 3 laudas altamente técnicas ,confesso que para a defesa era um pouco difícil apresentar contraposição, o que demandava um maior estudo dos casos , livros, jurisprudências, sentenças, mas sempre lembrava desta procuradora pelo pedido que até então nunca tinha visto.
Infelizmente não tive a oportunidade de conhecê-la, já que fora transferida para outra subseção judiciária, mas posso dizer que a parte contrária através desta procuradora me ajudou muito, porque o profissionalismo em que ela atuava demandava muito de mim, cada vez mais tinha que estudar, analisar e "queimar a cabeça", isso, num certo ponto, trouxe-me um maior conhecimento de uma técnica jurídica mais bem treinada.
Outro tempo, recebi outro processo para contra-arrazoar um Recurso oferecido pelo Ministério Público Federal, desta vez outro procurador e de começo vi uma citação em sua peça do jurista alemão Claus Roxin que para se ter uma ideia possui 17 doutorados honorários em universidades pelo mundo, perguntei-me "e agora José?" parafraseando Drummond, andava de um lado para o outro pensando em alguma maneira de contestar à altura aquele recurso da acusação, alguns falavam comigo e acabava não ouvindo, até que lembrei dos tempos da faculdade onde o professor de direito penal falou sobre os três maiores criminalistas do mundo que degladiavam doutrinas penais onde um deles lançava um artigo e os outros dois contestavam, outro lançava algum livro e já havia motivos para serem lançados livros pelos outros dois. Um desses criminalistas é o alemão Claus Roxin e outro Eugênio Raul Zaffaroni.
Nascido em Buenos Aires em 1940, Zaffaroni é Ministro da Suprema Corte da Nação Argentina tendo publicado 27 livros em toda América Latina dentre elas Manual de Direito Penal Brasileiro com José Henrique Pierangelli explicando a origem do direito penal Brasileiro até os dias de hoje. Voltado para a criminologia crítica, Zaffaroni é adepto a um minimalismo penal do Estado, não com uma intervenção mínima, pois até entende que a intervenção do Estado é um garantismo do Estado Democrático de Direito explicando que o poder punitivo é um instrumento legítimo para garantia penal, no entanto, entende Zaffaroni que o direito de punir do Estado deve -se ser mínima em relação a quantitativa da punição, a função do direito penal passa a ser apenas a de impor obstrução à arbitrariedade estatal. É o Minimalismo Penal.
Heureca! Lá vai eu procurar tudo sobre Zaffaroni e implementar as minhas contra-razões, fiquei cansado da vista de tanto procurar e estudar mas ficou uma das minhas melhores peças, esta foi uma forma de estar em paridade com as razões recursais brilhantes da acusação, expliquei sobre a Teoria da Tipicidade Conglobante defendida por Zaffaroni e agora aguardamos a decisão dos nobres Desembargadores, quem vencerá Roxin ou Zaffaroni?
Disponho um pedacinho da minha peça onde explico a Teoria da Tipicidade Conglobante:
III - Do princípio da insignificância e a teoria da tipicidade conglobante na aplicabilidade ao delito do artigo 289 do Código Penal
Na lição de Zaffaroni a “tipicidade conglobante consiste na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem nominativa. A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que possa excluir do âmbito do típico aquelas condutas que aparentemente estão proibidas.”
A favor da liberdade em razão da garantia da reserva legal a teoria de Eugênio Raul Zaffaroni desenvolveu o correlacionamento do tipo penal que lhe da o fundamento a norma proibitiva e o bem jurídico tutelado sustentando que para existir tipicidade penal é indispensável haver não só tipicidade legal, mas também a tipicidade conglobante, isto é, violação a norma proibitiva que não pode ser vista isoladamente, posto que inserida em todo o conjunto de normas dos diversos ramos do direito, o que reduz a amplitude do tipo penal corrigindo-o.
Seja humilde de reconhecer que existem pessoas melhores que você, mas estude para, no mínimo, ser igual a elas.
Um abraço a todos e fiquem com Deus